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RESÍDUOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE FRENTE À PANDEMIA DE COVID-19

Aumento de resíduos hospitalares no pico da pandemia exige ainda mais cuidado com a separação e os protocolos de descarte

Reportagem: Brenda Marchiori e Lígia Quaglietta
Edição: Camilo Mota e Patriciane Rodrigues

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Foto: Camilo Mota

Com a chegada da pandemia do novo coronavírus, muitos serviços hospitalares, como cirurgias eletivas, precisaram ser suspensos, gerando a queda na produção dos chamados Resíduos dos Serviços de Saúde (RSS). Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), nos meses de abril e maio, foram registradas quedas de 17% e 4,6%, respectivamente. Contudo, a taxa voltou a subir registando um aumento de 20% no mês de junho, em comparação ao mesmo período do ano passado. De acordo com a Abrelpe, o registro da geração média de lixo hospitalar por pessoa infectada e internada para tratamento de covid-19 é de 7,5 quilos por dia.

O RSS consiste em todo tipo de lixo proveniente do atendimento a pacientes ou de qualquer estabelecimento de saúde ou unidade que execute atividades de natureza de atendimento médico, tanto para seres humanos quanto para animais. Esse tipo de lixo também pode ser encontrado em locais como centros de pesquisa e laboratórios de farmacologia.

No Brasil, os RSS são categorizados em cinco grupos, de acordo as Resoluções RDC nº 33/03 e RDC 222/2018 da Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa).

Confira abaixo a cartilha:

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(Adaptação das Resoluções RDC nº 33/03 e RDC 222/2018 da Anvisa)

Os resíduos de paciente contaminados por covid-19 foram classificados como pertencentes ao Grupo A, devido ao alto potencial infectante do vírus. Como os demais resíduos desse grupo, o lixo produzido por pacientes em tratamento de covid-19 nos hospitais deve ser identificado quando descartados.

Os resíduos do Grupo A devem ser manejados de acordo com as determinações feitas pela Anvisa e passar por algumas etapas básicas previstas por lei. Os profissionais que trabalham no setor de coleta de lixo hospitalar devem estar devidamente providos de equipamentos de proteção e devem redobrar os cuidados com a higiene. O objetivo dessas medidas é evitar danos ao meio ambiente e prevenir acidentes que atinjam os profissionais que trabalham diretamente nos processos de coleta seletiva dos.

 

Plano de Gerenciamento de Resíduos

A Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a qual de termina que todo estabelecimento grande gerador de resíduos deve elaborar um plano de gerenciamento dos seus resíduos. Conforme especificado na Política Nacional, o plano de gerenciamento de resíduos sólidos deve conter o conjunto de ações exercidas, direta ou indiretamente, nas etapas de geração, segregação, condicionamento, coleta, armazenamento, transporte, tratamento e disposição final, de forma a garantir a proteção à saúde pública e ao meio ambiente.  

A Anvisa desenvolveu o Plano de Gerenciamento de Resíduos do Serviço de Saúde (PGRSS), documento que aponta e descreve as ações relativas ao manejo dos resíduos sólidos observando suas características.

No caso do RSS, o plano de gerenciamento dos serviços de saúde deve conter os procedimentos de identificação, segregação, acondicionamento e, por fim, o armazenamento, dentro de um abrigo nos próprios hospitais até a coleta especializada, desse tipo de resíduo. Como explica Marcus Arantes, servidor do Departamento de Gestão e Segurança Ambiental da Unifesp, mestre em Análise Ambiental Integrada (Unifesp) e doutorando em Saúde Global e Sustentabilidade pela USP, é necessário “deixar esse resíduo separado para não infectar os demais resíduos. Os resíduos do grupo A, têm que ser armazenados em um abrigo específico. Depois, esses resíduos vão ser encaminhados para uma unidade de tratamento. Ele pode ser incinerado, autoclavado (esterilizado) ou submetido a um tratamento de forno micro-ondas. Isso tudo para inativar os patógenos, vírus e bactérias do resíduo infectante. Depois, ele pode ser encaminhado para o aterro sanitário”.

 

Recomendações para o manuseio de RSS durante a pandemia

A Abrelpe organizou as boas práticas para assegurar uma adequada gestão dos resíduos sólidos durante a pandemia de covid-19, visto que há um caráter de essencialidade dos serviços de coleta e gestão de resíduos, pois contribuem para auxiliar na prevenção da transmissão do coronavírus e de outras doenças e endemias decorrentes de acúmulo e má gestão de resíduos.

A gestão dos resíduos sólidos contaminados ou com suspeita de contaminação por covid-19 gerados em unidades de atendimento à saúde ou locais com grande concentração de pessoas infectadas deve seguir a regulamentação aplicável aos resíduos infectantes do Grupo A, conforme as Resoluções Conama 358/2005 e Anvisa RDC 222/2018. A transmissão do vírus foi classificada como de alto risco individual e moderado risco para a comunidade.

Durante o período de emergência sanitária decorrente da pandemia de covid-19, e por conta das medidas de quarentena, isolamento e distanciamento social adotadas, segundo o documento oficial da Abrelpe, a estimativa é de que o aumento na quantidade gerada de resíduos sólidos domiciliares (15-25%) seja relevante. A entidade também prevê um crescimento bastante considerável na geração de resíduos hospitalares em unidades de atendimento à saúde (10 a 20 vezes).

Devido ao fato das atividades de coleta, transporte e destinação de resíduos sólidos urbanos e de serviços de saúde serem considerados serviços mínimos essenciais à garantia da saúde pública nas situações de emergência, a Abrelpe propôs um rearranjo das soluções logísticas e operacionais relativas coleta e gestão dos resíduos.

Os resíduos que apresentam alto risco de infecção devem ser acondicionados em sacos apropriados identificados pela cor vermelha, impermeáveis, de material resistente à ruptura e vazamento contidos no seu interior. Estes sacos devem ser substituídos quando atingirem dois terços de sua capacidade do limite de peso ou pelo menos uma vez a cada 48 horas e devem ser identificados pelo símbolo de substância infectante, com rótulos de fundo branco, desenho e contornos pretos. Os sacos devem estar contidos em recipientes de material lavável, resistente à punctura, ruptura, vazamento e tombamento, com tampa provida de sistema de abertura sem contato manual, com cantos arredondados.

As instituições devem estabelecer um local de armazenamento temporário do lixo hospitalar até o momento do seu recolhimento. Os sacos contendo resíduos do Grupo A devem ser objeto de coleta e transporte especializados para RSS, e submetidos a processos licenciados de tratamento, antes de sua disposição final, conforme estipulado pela Abrelpe.

A rotina dos hospitais precisou ser adaptada à nova realidade. Como informa Elci de Souza Santos, chefe da unidade de gestão de resíduos do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), “havia uma rotina de 500 quilos e de repente chegou a cinco toneladas”. Ela também descreve as mudanças no cotidiano, “a gente teve que disponibilizar uma quantidade muito grande de sacos vermelhos para fazer a coleta desses resíduos e todo um fluxo diferenciado. Também tivemos que fazer uma reorganização dos abrigos finais e deixá-los maior para depositar esses resíduos. Teve uma grande mudança, na rotina, mas sempre temos um plano B para atender demandas emergenciais”.

A coleta sofreu aumento. “Como o volume era pouco, nossos resíduos ficavam em freezers até a coleta, a cada quinze dias, e de repente a gente passou a ter coletas diárias”, segundo Elci de Souza Santos. Como ela explica, “antes a gente tinha uma coleta quinzenal dos resíduos do subgrupo A1, e tivemos que alterar isso para coletas diárias em alguns momentos. No pico máximo, tivemos coletas diárias externas. Porque é um resíduo que não pode ficar parado no setor, não pode ficar em abrigo intermediário, então, tivemos que aumentar o fluxo de coletas internas e externas”.

Seguindo orientações internacionais de boas práticas com o objetivo de assegurar condições adequadas de saúde pública, preservar o meio ambiente, garantir a proteção dos trabalhadores e prevenir as possibilidades de transmissão do vírus, a Abrelpe recomendou que os serviços de saúde adotassem uma combinação de ações conforme os padrões e protocolos já existentes e em uso, com reforço em aspectos necessários no combate à pandemia mantendo a eficiência dos serviços prestados e, principalmente, com aumento da higienização individual por parte dos trabalhadores.  

Em relação aos trabalhadores, a Abrelpe sugeriu que os empregados dos grupos de risco (idosos, doenças crônicas, grávidas e lactantes) fossem afastados das atividades, mediante a concessão ou antecipação de férias, trabalho remoto, licenças remuneradas, ou outra medida acordada entre empregador e empregado. Para suprir os afastamentos e um eventual aumento nas taxas de absenteísmo, foi recomendada a elaboração de plano de contratação e treinamento de temporários. Reprogramação dos turnos e jornadas das equipes de coleta, para evitar aglomerações nas garagens e locais de início e fim das atividades.

O uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) já era determinado para as operações rotineiras. A entidade reforçou a orientação para a utilização correta e a verificação constante dos EPIs, recomendando a substituição imediata quando apresentarem qualquer dano. Os trabalhadores também foram orientados a adotarem padrões básicos de higienização para o exercício das atividades, além de evitar tocar os olhos, nariz e boca. A higienização dos EPIs, vestiários, refeitórios e demais locais de trabalho, veículos e contentores, deve ser intensificada sempre que possível com utilização de desinfetantes.

As atividades que possam causar abertura ou rompimento dos sacos, com manuseio direto pelos trabalhadores dos resíduos descartados podem ser suspendidas. Em atividades cuja interrupção não puder ser implementada deverão ser intensificadas as orientações de saúde e segurança do trabalhador, bem como os cuidados necessários na operação durante a ocorrência de emergência, reforçando o uso dos EPIs. As atividades que demandam proximidade social, como os serviços de coleta de resíduos volumosos, também poderão ser suspensas, visando a proteção da integridade dos trabalhadores.

A Abrelpe também remendou que fossem estabelecidos protocolos específicos ou revisão dos já existentes para proteção da saúde dos trabalhadores durante a operação em unidades em que houver exposição da massa de resíduos.

 

Descarte Inapropriado de RSS

No Brasil, os dados sobre a produção de RSS não são precisos. Segundo a Abrelpe , em 2019, 4.518 municípios do país brasileiros declararam à Anvisa que coletaram e trataram mais de 256 mil toneladas de resíduos de saúde. As outras 1.052 cidades não declararam a forma como destinaram seus lixos hospitalares, o que contraria as normas vigentes e apresenta riscos à saúde pública, ao meio ambiente e aos trabalhadores da área.

Apesar das exigências previstas por lei para a coleta, tratamento e descarte, a estrutura dos municípios brasileiros para lidar com os resíduos de serviços de saúde ainda é insuficiente. Pelo menos 36% dos municípios ainda não fazem a destinação adequada do lixo contaminado, que pode acabar em lixões, aterros comuns ou valas sépticas, em vez de serem incinerados, como é recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), apresentando risco para a população.

Como explica Marcus Arantes, “o Brasil ainda tem muitas regiões que não encaminham os resíduos de saúde para um tratamento prévio. Ainda há muitos casos de disposição clandestina e incorreta de resíduos oriundos de hospitais e clínicas. Nós enfrentamos um desafio que coloca em risco a saúde humana, a qualidade ambiental. Porque muitos desses resíduos de saúde ainda são encaminhados para locais impróprios, lixões e aterros controlados”.

Geralmente, as estações de lixo de saúde são particulares e contratadas por estabelecimentos que lidam com o lixo hospitalar contaminado. Os estabelecimentos devem contratar uma empresa especializada no recolhimento desses resíduos que oferecem riscos à saúde e ao meio ambiente.

A fiscalização do descarte de resíduos, geralmente, cabe ao órgão municipal ou órgão estadual. Contudo, a fiscalização do descarte de RSS, no Brasil, é muito pouco estruturada, muito frágil. “O gerenciamento de resíduos no Brasil, em geral, já é um desafio de todas as vias. Infelizmente, nós temos que evoluir muito ainda. O nosso resíduo reciclável já muito pouco reciclado, não chega nem a 4%. Os resíduos orgânicos também não chegam a 1%. 40% do resíduo do brasileiro e da brasileira ainda é encaminhado de forma incorreta. No pré-pandemia, nós já tínhamos um cenário alarmante e preocupante em relação ao gerenciamento dos nossos resíduos sólidos em geral. A pandemia veio e acabou tornando essa realidade que nós já tínhamos mais severa e mais preocupante”, segundo Marcus Arantes.

Conheça também a situação dos trabalhadores durante a pandemia em outras partes do país. Confira a reportagem da Zona Leste, no estado de São Paulo

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