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Trabalhadores da limpeza urbana do Recife reforçam luta contra a CoVid-19

 

Garis, profissionais essenciais, mas, por vezes, esquecidos, pedem conscientização e respeito da população em meio à maior crise sanitária do século 

 

Reportagem: Gabriela de Andrade

De acordo com a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife - PE (Emlurb), cerca de três mil pessoas estão envolvidas no trabalho de coleta e limpeza da cidade, dos quais 2.281 são garis. Desse total, foram identificados 28 casos suspeitos de Covid-19, mas até o momento não houve confirmação de contágio nem de morte entre eles.

Segundo a Emlurb, o protocolo para casos de Covid-19 junto às empresas Vital, Cael e Loquipe - terceirizadas que prestam serviços de limpeza para a autarquia na capital pernambucana - está ativo desde março. O primeiro caso suspeito ocorreu em 4 de abril e desde então as equipes de medicina do trabalho vêm acompanhando os funcionários, que são afastados de imediato. 

Entre os trabalhadores que atuam diretamente com a coleta de lixo, 120 casos suspeitos foram identificados; não há confirmação de mortes. Todos os 63 funcionários que fazem parte do grupo de risco, seja por idade, ou por outro motivo (como doenças crônicas ou consumo de cigarro) foram previamente afastados do trabalho. 

De acordo com a empresa, mesmo antes da pandemia, os garis já utilizavam EPIs próprios para as funções executadas. Protocolos de trabalho para o início e o término da jornada, por atividade e por equipe, foram elaborados para evitar aglomeração de colaboradores.

Maria Betânia Melo de Oliveira, professora do Departamento de Bioquímica da Universidade Federal de Pernambuco, afirma que devido à falta de controle sobre como os rejeitos contaminados são ensacados, o potencial de contágio para os garis continua, mesmo na coleta de lixo embalado: “Evidentemente que a embalagem diminui as chances de contaminação, mas nada garante que a superfície do saco esteja livre de partículas virais. Sempre haverá um risco iminente de contágio”.

Para acabar com a rota de contaminação, a professora indica que além de ensacar o lixo, a medida ideal é identificá-lo, colocando-o em saco de outra cor, diferente do tradicional saco preto. Se possível, borrifar álcool na superfície da embalagem é também importante para diminuir as possibilidades de contágio. 

Segundo ela, estudos revelam a permanência e possível atividade do Sars-CoV-2 em superfícies como aço (até 3 dias), plástico (até 3 dias), madeira (até 4 dias), vidro (até 5 dias), o que torna ainda mais preocupante o combate ao vírus. 

“Um material, uma vez contaminado e descartado inadequadamente, potencializa a capacidade de propagação viral e, consequentemente, de infecção por aqueles que entrem em contato sem a realização das devidas medidas de higienização, tais quais lavagens das mãos e/ou a utilização de álcool em gel, como recomendadas pelas autoridades sanitárias”, finaliza Maria Betânia.

 

Luciano, há 20 anos na coleta de lixo domiciliar

Um dos profissionais da área é Luciano Nascimento da Silva, 45 anos, que em primeiro de novembro comemorou seu vigésimo aniversário de profissão.

Ele conta que limpar as ruas foi seu primeiro emprego. “Apesar do nosso serviço ser essencial, algumas pessoas nos olham de um jeito atravessado, mas se não fosse nosso trabalho, seria pior. Sem a pandemia, algumas pessoas já tinham um certo preconceito e depois disso piorou”, desabafou. 

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Foto: Gabriela de Andrade

Ele também ressalta que o trabalho dos garis é ainda mais necessário durante o período de pandemia, pois se o serviço de recolhimento não existisse, o acúmulo de lixo agravaria a situação e, consequentemente, traria malefícios para a saúde dos moradores.

Segundo Luciano, a quantidade de lixo domiciliar aumentou muito desde o início da pandemia: “Mais trabalho para nós”, declarou. Também afirma já ter visto máscara descartada indevidamente na rua: “Muita gente não tem noção do perigo, não separam, nem reciclam”. 

Segundo o trabalhador, no início da pandemia o setor de segurança de trabalho da terceirizada Cael (empresa para qual ele presta serviço) destacou a necessidade de cuidados redobrados e do uso dos EPIs completos (luvas e máscara - antes da pandemia o uso de luvas já era obrigatório). A empresa também fornece álcool para higienização do material de trabalho e para uso dos garis.

Em maio, Luciano ficou 14 dias afastado do trabalho, em quarentena. Testou positivo para o novo Coronavírus após levar seu irmão mais velho, de 55 anos, cardíaco, às pressas para a UPA do bairro dos Torrões, na zona oeste do Recife. Em 10 minutos seu irmão seguiu para a intubação e meia hora depois faleceu; a causa da morte foi CoVid-19.

Morador do bairro de Afogados, Luciano trabalha de segunda a sábado na coleta do lixo em Areias, também na zona oeste da capital pernambucana. A respeito do período em que ficou de quarentena, ele destaca: “As pessoas da comunidade do Capuá ficaram preocupadas comigo, graças a Deus sou bem visto aqui dentro, algumas crianças me chamam de Sr. Luciano (...) Tenho muitas amizades. Quando voltei a trabalhar, alguns moradores ficaram com receio de se aproximar de mim (...) Eles estão certos, tem que se prevenir mesmo”. 

Ele relata também o medo que sente ao sair para trabalhar, sem saber se vai se contaminar com o vírus, levá-lo para casa e colocar sua família em risco. Apesar de residir com a esposa e um casal de filhos, a maioria dos moradores da rua são seus parentes. Dentre eles está sua mãe que já é idosa. Como ele mesmo se refere, mora em uma rua no ‘estilo condomínio familiar’, por isso toma muito cuidado ao voltar do trabalho. “Quando chego em casa, vou direto para a parte de trás de casa, tiro a farda, sapato e coloco para lavar”.

Das maiores dificuldades que a pandemia trouxe para o coletor, está a questão emocional: “Foi muito difícil pra mim, perdi 14 amigos, parceiros de muitos anos, fiquei muito abalado. Não sei como consegui me reerguer (...) Foi horrível não poder dar um abraço, aperto de mão na família. No enterro desses amigos e do meu irmão foi necessário ficar metros afastado do caixão”, contou emocionado.

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Foto: Gabriela de Andrade

Em relação ao cenário de reabertura dos centros comerciais, Luciano conta que em meio à rotina de trabalho observa muitas pessoas não mais utilizando máscara ou evitando aglomerações: “Parece que algumas pessoas perderam o medo. Eu me informo através da internet, rádio, televisão, deixo meus familiares em alerta para se protegerem. Instruo eles ao chegarem em casa, colocarem a roupa para lavar, continuar respeitando o distanciamento e não caírem na conversa das pessoas que minimizam o perigo”.

 

Para aqueles que não reconhecem nem respeitam a categoria dos garis, Luciano destaca: “Trabalhamos para ganhar um dinheiro digno. Assim como médicos e professores, nossa profissão tem valor. Não nos chamem de ‘oh, do lixo’, ‘moço do lixo’.



 

Alexandre, há 12 anos na varrição


Outro profissional atuante na limpeza das ruas do Recife é José Alexandre da Silva, 53. Mais conhecido como “Alexandre Jogador”,  reside no Alto Nossa Senhora de Fátima, no Vasco da Gama, Zona Norte. Com a experiência de 32 anos no currículo (20 na coleta e 12 na varrição), Alexandre já foi   auxiliar de pedreiro, de serviços gerais, vendedor de picolé, ou como ele mesmo se refere "Já desempenhei mil e uma funções''. Atualmente atua na varrição (com planos de se aposentar até o início do próximo ano) de alguns pontos do Recife, como: Avenidas Norte, Cruz Cabugá, João de Barros, Governador Agamenon Magalhães e Rua da Aurora. 

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Foto: Acervo Pessoal

Alexandre integra a Diretoria do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Limpeza Urbana do Estado de Pernambuco (Sindlimpe) há 16 anos e atualmente exerce o cargo de Presidente no sindicato. "Sempre fui uma pessoa de questionar as coisas, defender o direito dos trabalhadores, de ajudar as pessoas. Ingressar no Sindlimpe foi mais uma forma de poder estar mais próximo dos companheiros de trabalho, para estabelecer uma melhor comunicação com o patrão. Buscar melhorias para a classe, mesmo que isso seja difícil de conseguir”, declarou.

 

O trabalhador conta que a empresa terceirizada para qual presta serviço (Vital), sempre ressalta a importância do uso de álcool em gel. "A Pandemia veio de uma maneira rápida, não estávamos esperando, agora estamos tendo que nos habituar ao uso do álcool em gel e da máscara".

 

Alexandre relata que no início da pandemia os trabalhadores do grupo de risco (acima de 60 anos) foram afastados, mas que continuaram sendo assistidos financeiramente. Outros funcionários, no entanto, receberam férias ou foram demitidos: “A principal dificuldade que os trabalhadores da limpeza urbana estão enfrentando em relação ao cenário de pandemia é que estamos tendo mais trabalho para realizar; o aumento de lixo e redução do quadro de funcionários afeta nossas atividades. Mais trabalho para os que ficaram, uma grande área para cobrir e poucos garis. A jornada de trabalho permanece sendo 8 horas, mas o serviço aumentou.

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Foto: Acervo Pessoal

O profissional responsável pela varrição diz que no recolhimento do lixo é comum encontrar máscaras descartáveis jogadas indevidamente nas ruas. Ele destaca que a forma de descarte correto é colocar o material em um lixo separado do lixo comum; assim quando o gari for recolher saber que ali tem algo relacionado ao novo Coronavírus.

 

Sobre a importância da profissão, ele afirma: “Somos fundamentais, enquanto as pessoas estavam em casa, estávamos na rua, a limpeza urbana não pode parar. Mesmo sabendo do risco, continuamos trabalhando. E mesmo a limpeza sendo mais importante durante a pandemia, não somos reconhecidos”.

Enquanto uma parte da população encontra-se confinada para se proteger contra o novo coronavírus, os profissionais de serviços essenciais precisaram manter a rotina de trabalho, alterada apenas pelo reforço nos cuidados com a saúde. Assim como os trabalhadores da área de saúde, os profissionais da limpeza urbana fazem parte da lista de profissões que não podem parar nesse momento. Até o surgimento da vacina e imunização de toda a população será necessária a continuidade de capacitação e orientação dos funcionários da limpeza urbana, assim como a Emlurb afirma fazer. Outra medida adotada pelo órgão, o fornecimento de água e sabão para os veículos da coleta, auxilia a evitar que o novo Coronavírus se propague. A manutenção da distância mínima entre si, do rigor na higiene pessoal e do cuidado com o descarte correto do lixo são práticas que também reforçam a proteção daqueles que fazem com que tenhamos uma cidade mais limpa. 

Conheça também a situação dos trabalhadores durante a pandemia em outras partes do país. Confira a reportagem de Rio de Janiero

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