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No Rio de Janeiro, garis relatam dificuldades e falta de auxílio da Comlurb

 

Falta de máscaras, transportes e equipamentos de trabalho estão entre as mais citadas pelos trabalhadores

 

Reportagem: Carina Petrenko e Ingrid Figueirêdo


 

Quando o mundo precisou se adaptar à pandemia de 2020, grande parte das profissões adotaram o trabalho remoto - exceto os trabalhadores considerados essenciais. Na linha de frente do contato com o coronavírus, os garis do Rio de Janeiro relatam dificuldades para exercer suas funções.

 

Felipe Luther tem 37 anos e há 12 trabalha como gari na capital do Rio de Janeiro. Afastado duas vezes da função por acidente de trabalho, é um dos fundadores do Círculo Laranja, organização de denúncias da categoria sobre suas condições laborais. Luther, apelido que tomou para si em homenagem a Martin Luther King, ativista da negritude norte-americana, conversou com a reportagem sobre a situação dos garis da capital fluminense durante a pandemia.

 

Morador de Belford Roxo, município da baixada fluminense, Luther começa a se arrumar para o trabalho às 11h da manhã para sair de casa ao meio-dia e bater ponto às 15h na gerência de Ipanema, na zona sul da cidade. Na região, além de trabalhar, ele estuda no bairro da Gávea, na PUC-Rio. Com a pandemia, parte do percurso foi atenuado pelas aulas remotas, mas a jornada continua extensa. Duas das disciplinas que Luther cursa neste semestre acontecem de 11h às 15h, e por isso ele passou a assistir às aulas no tempo das duas conduções que pega até chegar no trabalho.   

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Felipe Luther. Foto: Coletivo Nuvem Negra PUC-Rio

A segunda jornada se inicia depois de chegar na gerência e vestir o uniforme. De lá, ele deve se deslocar até o fim do bairro, ponto em que efetivamente é designado a varrer. O caminho é percorrido em grande parte a pé e carregando a lixeira, o que causa o tensionamento no joelho, já operado duas vezes após um acidente de trabalho sofrido em 2018. 

 

“Eu tenho que pegar carona no caminhão [de lixo] ou ir andando até o Arpoador mesmo, lá no posto 7. Lá eu limpo desde a estátua, na cancela do Arpoador, até o fim. Eu faço sozinho esse serviço. Em dia chuvoso é tranquilo, mas quando está sol e a praia fica lotada, ou quando acontece alguma coisa como o luau de sábado, eu estou ali, sozinho.”

 

Luther se refere ao luau Bateu a Onda, realizado no dia 15 de novembro no Arpoador - região turística do litoral carioca, conhecida por marcar a divisão das águas de Ipanema e Copacabana. O evento reuniu cerca de 2 mil pessoas, em um momento em que a curva de novos casos de coronavírus voltou a crescer na cidade.   

 

Além do potencial de alastramento do vírus pela aglomeração, eventos como o luau expõem os trabalhadores da limpeza à contaminação. No caso dos garis, mesmo no período em que a cidade estava esvaziada, a exposição era risco permanente. O descarte inadequado do lixo domiciliar contaminado pela população, combinado à precariedade dos materiais de proteção normalmente usados pelos lixeiros, fizeram desses trabalhadores uma das categorias mais vulneráveis ao contato com a doença.

 

“Tem material que é frágil. Na nossa luva sempre passou coisa líquida, qualquer coisa líquida passa, sempre passou. Ela ‘segura’ a palma da mão, mas a parte superior ela não segura, porque o material é impermeabilizado na parte do toque, mas qualquer coisa que respingue por cima da sua mão ou acima do seu pulso até o cotovelo... a gente usa uma blusa e não um casaco de proteção”, disse Luther.

 

Segundo a Companhia de Limpeza Urbana (Comlurb), empresa responsável pela coleta de lixo na cidade, foram fornecidas diversas medidas para garantir a segurança dos garis durante a pandemia. A empresa alega ter feito distribuição de água, sabão, produtos de limpeza e de higiene, além de recipientes com álcool gel em todas as gerências. Máscaras de proteção individual laváveis também foram distribuídas para os trabalhadores. Para os que continuaram normalmente o serviço, a Comlurb diz ter havido limpeza ostensiva dos produtos das gerências, caminhões, vans e equipamentos gerais usados pelos garis. Além disso, o uso de aplicativo, e-mail corporativo e rede social são os meios utilizados pela empresa para se comunicar com os funcionários.

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Garis fazem higienização de áreas onde há maior circulação de pessoas. Foto: Comlurb

Luther, no entanto, relata que há descaso da Comlurb com seus funcionários. Ele conta que no auge da pandemia, entre março e maio, não havia, na maioria das gerências, álcool em gel, sabão líquido, nem nenhum outro equipamento de proteção individual (EPIs) oferecido aos garis para evitar o contágio. 

 

A empresa diz ter dispensado do trabalho os idosos maiores de 60 anos, independentemente da condição de saúde, e profissionais de todas as idades que fazem parte do grupo de risco. Além disso, pessoas que demonstrassem sintomas de gripe, devidamente caracterizados, também são incluídos na dispensa provisória do trabalho, de acordo com a Comlurb.

Já segundo a versão dos garis, não houve afastamento dos trabalhadores pertencentes ao grupo de risco em um primeiro momento, e muitos tiveram que brigar pelo direito na Justiça. Diminuir ou repensar a jornada, tendo em vista a falta de transporte provocada pelo esvaziamento da cidade, também não foi uma alternativa pensada pela empresa. Só depois de muitas denúncias a Comlurb se viu obrigada a oferecer máscaras, iniciativa que abandonou depois de setembro. 

  

“A máscara que era destinada para a gente não era trocada de 2h em 2h, então você trabalhava com a máscara, suava a máscara, e depois não adiantava nada, já estava úmida.”, diz ele.

 

Outra reivindicação da categoria é a responsabilização da empresa pela lavagem e esterilização dos uniformes. Essa é uma pauta recorrente há anos: pelo menos desde 2014 os lixeiros são obrigados a lavar a roupa de trabalho em casa, junto das peças da família, muitas vezes com crianças e idosos. Segundo Luther, a questão já entrou nos acordos coletivos, mas a Comlurb alega falta de estrutura para a efetiva implementação.

 

Quantidade de lixo e jornada de trabalho

 

De acordo com Luther, a pandemia não alterou a carga de trabalho dos lixeiros. O coletivo Círculo Laranja, do qual ele faz parte, até então não recebeu nenhum relato sobre sobrecarga na coleta de lixo, domiciliar ou público. Segundo o gari, na zona sul da cidade bares e banhistas na praia continuaram em atividade clandestinamente, mesmo durante o isolamento social.  No que diz respeito ao lixo domiciliar, a jornada continuou a mesma: de segunda a sábado, os caminhões coletam 20 toneladas de lixo em uma média de duas viagens de 10km por dia. 

 

O panorama é também confirmado pela Comlurb, que declara não ter havido aumento significativo de lixo público nem domiciliar durante a pandemia. No período de 8 a 14 de março, que antecedeu o decreto de isolamento social no Rio de Janeiro, a média de lixo domiciliar coletado foi de 32.717 toneladas. Já entre os dias 15 e 21, primeira semana da quarentena, a quantidade foi de 33.329 toneladas. Em relação ao lixo público, a variação foi semelhante: média de 18.685 toneladas na semana pré isolamento e de 19.515 toneladas na primeira semana de isolamento.

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Limpeza da Praia de São Conrado, na zona sul da cidade. Foto: Comlurb


 

O Círculo Laranja recebeu denúncias, no entanto, quanto ao efetivo dos funcionários que cumprem a jornada. Cada caminhão deve sair com quatro garis, três no mínimo. Mas a realidade, segundo Luther, é que há muitos anos a Comlurb sofre com déficit de empregados. De acordo com os relatos, alguns caminhões têm saído com dois garis apenas, para dar conta do mesmo trajeto e peso coletado. 

 

“Isso acontece há muitos anos, mas escrachado no BDO, [documento que consta o modelo do caminhão, nome do motorista, matrícula de todos os integrantes que compõem o efetivo do dia], desde 2018. Houve várias denúncias, mas e aí? Isso vira indenização, multa para a empresa, mas e aí? Continua”. 

Conheça também a situação dos trabalhadores durante a pandemia em outras partes do país. Confira a reportagem de Franca, no Estado de São Paulo

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